sexta-feira, 8 de maio de 2009

Bandhara em Rishkesh



Bandhara é uma refeição oferecida para os sadhus que estão pela região. Sadhu é um renunciante, alguém que vive com o mínimo, e depende da caridade alheia para comer. Durante o curso no ashram do Swami Dayanada, ele ofereceu um grande bandhara. Vieram muuuuuitos sadhus, de tudo quanto era jeito. Nem todos os sadhus são swamis (senhor de si), não seguem linhagem alguma de estudo, alguns praticam somente tapas (disciplinas), fazem um voto de manter um fogo sempre aceso por exemplo, ou praticam certos sacrifícios. Nem todo sadhu é swami, mas todo swami é sadhu. Para renunciar, basta jogar seu cordão de brahmane no rio, vestir uma veste laranja rosada e sair por aí errante. A renúncia para se tornar um swami requer um mestre, uma linhagem de ensinamento, um planejamento, um ritual. Logo quando cheguei em Rishkesh, teve um ritual, por volta de seis estudantes renunciaram. É algo emocionante de se presenciar. Os alunos e vários swamis vão ao rio para que os que vão renunciar tomem o último banho como fulano e siclano (depois da renúncia eles ganham outros nomes do Mestre). Depois passam a noite em volta de uma fogueira fazendo rituais. Entre eles tinha uma mulher (o que é bem raro) e estrangeira (mais difícil ainda). Swamiji Dayanada é o máximo!
Bom, voltando ao bandhara. Depois de ver o Swami Dayananda comprimentar um por um e tirar muitas fotos, já quase no final, muitos já estavam indo embora, um velhinho, mas muito velhinho começa a falar comigo, parecia agoniado. Eu não entendia nada do que ele falava então pedi ajuda para uns indianos que estavam ali perto. Alguma coisa já tinha me tocado, desde que vi aquele senhor já tinha ficado estranha. Os indianos "tradutores" me disseram que o velhinho tinha problema no coração e queria saber onde podia pegar um remédio porque estava sentindo dor. E o velhinho ali, falando sem ninguém lhe dar muita atenção, com uma cartela de remédio vazia, gesticulando com dificuldade.
Aaaahh, pra quê!
Só consegui sentar numa escada, onde estava mesmo e desabei o chororô. Não tinha muita explicação racional não. Só chorava e chorava. E os indianos sem entender nada...eles não são muito de demonstrações de emoção assim, públicas. Me diziam que ele ia ficar bem, que há remédio para ele no posto de saúde e tal. E eu chorando, chorando...
Depois ficou tudo bem, o velhinho pegou seu remédio e se acalmou e eu também. rsrs

Despedida, final do curso em Rishkesh


Sala cheia, todos os alunos em pé em fila com seus envelopes de guru dakshina. Swamiji Dayananda sentado, recebia o namaskara de cada um e dava um livrinho com uma fruta de prasada. Eu já com um certo nó na garganta...e de repente começam a cantar o Gurustotram, um dos cânticos mais bonitos na minha opinião e que sempre me emociono até hoje quando canto. Comecei a chorar, primeiro discretamente. Uns alunos indianos se aproximavam perguntando por quê eu estava chorando, diziam "você vai voltar aqui", "ano que vem você está aqui", "não chore", quanto mais falavam, mais eu chorava.
Quando cheguei aos pés do Mestre já era só emoção. Recebi a prasada e sai rapido para fora da sala. Sentei em um banco de frente para o Ganges e desabei. Era um choro de felicidade, de agradecimento, de tristeza, de saudade, de tudo. Eu chorei ali com muita vontade mesmo! rsrs
Passa um tempinho e minha amiga e companheira de quarto no ashram, Carolina, chega também ao banco, com a cara já inchada. As duas ficam sentadas ali, chorando sem parar por algum tempo.
Foi lindo.
Até hoje quando canto Gurustotram me emociono. Na segunda vez em que estive em Rishkesh também me emocionei, ao chegar e ao ir embora principalmente. Aquele lugar significa muito para mim. O que eu aprendi e vivi ali...as aulas, os pujas de manhã cedo e a tarde, os banhos no rio Ganges, as amizades, os sonhos (sonhava quase todos os dias com Swamiji, quando não me respondia durante as aulas, me falava durante a noite)

O velhinho do ônibus para Bangalore

Resolvi sair de Puttaparty poucos dias depois de ter chegado, em mais uma madrugada insone por causa do jet leg. Por volta das 3 da manhã me enfiei em um ônibus catacorno onde ninguém falava inglês. Eu sentei na janela, com meus mochilões no colo (não havia espaço para bagagem, como disse, era um catacorno). 

Nos primeiros dias na Índia, sozinha, ponderando tudo que tinham me falado sobre viajar por aquelas bandas, mal tirava fotografias, sei lá, receio de ser agressivo demais. Enfim, estou eu no ônibus, sentada perto da janela, uma senhora sentou ao meu lado. Eram pessoas bem pobres, a maioria com cestos vazios, provavelmente estavam voltando para seus vilarejos para abastecerem e voltarem para vender em Puttaparty. De repente ouço uma voz cantando uma melodia linda ao som de um chacoalhar de moedas ao fundo. Me viro para ver de onde vinha aquela música, aquela voz tão intensa e vejo um senhor, bem velhinho, cego, sacudindo um pote com umas moedas, pedindo dinheiro. 

Aquela cena toda, miséria pedindo esmola para pobreza, aquele senhor, aquela voz, a madrugada. Veio um choro imediato, como ainda viria muitas vezes pela viagem, ainda contido (mais para o final da viagem, já em Rishkesh, chorei várias vezes feito criança, sem vergonha, sem pudor - para estranhamento geral dos indianos). Ainda tímida tirei a câmera fotográfica da mochila para tentar gravar aquele som. Peguei muito pouco, mas esse momento não sai mais do meu coração. O velhinho cego do ônibus para Bangalore. 

Desabafo

Fui duas vezes à Índia. A primeira em 2005, sozinha, por três meses. A segunda em 2007, com um grupo e principalmente com a minha Mestra, Gloria, peregrinação em um mês de viagem. Importante e fundamental na minha vida, essas viagens até hoje me transformam. 

Tanta coisa que nem sei. Aos poucos vou colocando tudo aqui, vou tentar não escrever esses "testamentos" enormes...rsrs. Por enquanto estou na metade da primeira viagem, isso porque peguei só alguns episódios...(eita!)

Enfim, saudades da mãe Índia, sempre. 

Esse post foi só para desabafar.